A PIROGA FANTASMA (14): O Fracasso da Luta de Libertação Nacional


Celebra-se, hoje, em todo o território da Guiné-Bissau, a data da independência nacional. Um feriado nacional que assinala a desvinculação do País ao colonialismo português de cinco séculos, passando a ser considerado na arena internacional como um Estado livre e soberano. Perante esta efeméride tão marcante na história do nosso Povo, importa tecer algumas reflexões concernentes ao estado do País pré e pós-autodeterminação e, sobretudo, no que toca ao impacto significativo que essa opção teve no processo de construção da Guiné-Bissau, na condução do seu destino político. 

Antes de mais, convém fazer um breve historial da nossa independência, que dividiremos em três determinantes fases: (I) A fase do "Programa Mínimo", que começa em 1973 e vai até 1980, tendo como o seu expoente máximo o ex-Presidente da República, Luís Cabral; (II) A fase do "Movimento Reajustador de 14 de Novembro", que vai de 1980 a 1998, com a proeminência do falecido General João Bernardo Vieira (Nino/Kabi Na Fatchamna), que por sua vez abrirá a Guiné-Bissau, em 1989, para uma "Democracia Participativa", acabando, aparentemente, com o autoritarismo do partido único que vigorava no País; e, por fim, a (III) e última fase, que apelidamos de "Ajustes de Contas", que teve início com a fratricida guerra civil de 7 de Junho de 1998, liderada pelo então Brigadeiro Ansumane Mané ("Brick-Brack"), persistindo até aos nossos dias, tendo como protagonistas as chefias militares. 

Não vamos estar agora aqui a esmiuçar cada uma dessas fases. Apenas salientar que todas elas foram, infelizmente, de grande declínio nacional, e com repercussões preocupantes na vida da generalidade dos Guineenses, mormente na camada da geração actual. Não se melhorou praticamente nada em concreto na vida do nosso sofrido Povo, antes pelo contrário a Guiné-Bissau mergulhou numa deriva política e impunidade sem precedentes, fazendo-a experimentar recuos significativos a todos os níveis da governação. Tal como já tivemos a oportunidade de manifestar publicamente neste espaço, consideramos completamente desvantajoso e uma opção política extremamente errada, o facto do Engenheiro Amílcar Lopes Cabral ter conduzido a Guiné-Bissau para uma estúpida luta armada que, pelos vistos, o País não estava ainda preparado para entrar. Isto porque os ideais que motivaram a maldita guerra revelaram-se um autêntico fracasso: desde logo, o insucesso da unidade de dois povos (dos Guineenses e Cabo-verdianos), idealizado no génesis da sublevação, somado às permanentes crises político-governativas e ao retrocesso abismal em que a Guiné-Bissau mergulhou ao longo dos tempos. 

Dito por outras palavras, todos os valores defendidos na defesa intransigente da luta de libertação nacional, no sentido de devolver aos Guineenses a liberdade, a cidadania, a dignidade e o progresso que o povo tanto ansiava na altura, acabaram por ser uma utopia, fazendo com que o País se tornasse palco de espectáculos degradantes, que se traduziram num círculo vicioso de tremendas violações de Direitos Humanos, motivados por ambições individualistas daqueles que, outrora, ousaram apropriar-se dignamente do bom nome do Povo Guineense, para se autopromoverem e enriquecerem à sua custa. 

A nosso ver, a descolonização dos portugueses na Guiné-Bissau era tudo uma questão de tempo. Mais cedo ou tarde, Portugal não teria outra alternativa se não abandonar o nosso País e, consequentemente, conceder-nos a tão almejada liberdade. E fazia todo sentido que esperássemos mais um pouquinho e tomássemos a nossa independência sem qualquer tipo de derramamento de sangue, mas sim de uma forma ordeira e pacífica. A Guiné-Bissau já estava sob o domínio português há mais de cinco séculos, pelo que esperar mais alguns anos não criaria certamente enormes transtornos, tal como a luta de libertação nacional acabou por nos criar. 

Afirmamos isto, convictamente, porque estavam em curso, em Portugal, algumas pressões políticas com que o governo de Salazar vinha confrontando, tanto do ponto de vista interno, como externo. Aqui, havia praticamente unanimidade, perante as potências mundiais, no que toca ao "Princípio da Autodeterminação dos Povos", consagrado na Carta das Nações Unidas em 1945 (nesta altura, por volta de 1963, Inglaterra e França já haviam perdido a maioria das suas colónias em África). Ao passo que a União Soviética (URSS), Alemanha, China, estavam na linha da frente para que se acabasse de vez com a colonização dos povos. Ali, do ponto de vista interno, existia um certo descontentamento na maioria dos sectores da sociedade portuguesa para com o regime fascista do Estado Novo, e uma ânsia maior por parte da população em aderir à Democracia Participativa, tal como outros bem-sucedidos países europeus na altura. Todos estes factores acabariam, certamente, por condicionar, decisivamente, a política externa portuguesa e, em consequência disso, a libertação dos países colonizados. 

A Guiné-Bissau decidiu entrar numa guerra para a qual não estava minimamente preparada. Não estava preparada, porque um dos grandes objectivos traçados pelo PAIGC, consistia no "Programa Maior", que é o desenvolvimento sustentável e sustentado do país. E este objectivo ficou manifestamente comprometido durantes estas quatro décadas de desnorte político. Por outras palavras, os custos e benefícios que advêm da sangrenta luta armada foram claramente desproporcionais, com a supremacia abismal dos primeiros sobre os segundos, com todas as nefastas consequências que isso representa na vida dos Guineenses. Acreditamos que podíamos tomar a nossa independência através de uma resistência pacífica e sem qualquer tipo de derramamento de sangue, diferentemente da grosseira mentira que foi difundida pelo PAIGC, de que havia uma total impossibilidade da resistência continuar por meios pacíficos. Tal não corresponde à verdade. A Guiné-Bissau tinha exemplos muito bem-sucedidos, em África, de países que conseguiram tomar as suas independências, sem necessitarem de recorrer à via armada. Os exemplos mais próximos de nós são o do Senegal e o da Guiné-Conacri, e por aí fora... 

Não temos a mínima dúvida de que se tivéssemos conquistado a nossa independência de forma pacífica como, felizmente, alguns países africanos optaram por fazer, a nossa sorte seria completamente outra. Não estaríamos hoje nos constantes ziguezagues políticos em que estamos mergulhados. A nossa independência seria muito bem acompanhada e todos nós, Guineenses e Portugueses, sairíamos a ganhar com isso, poupando-se, inclusive, inúmeras vidas que se perderam em vão, sem quaisquer tipos de melhorias substanciais na vida dos Guineenses. 

No entanto, a guerra colonial acabou por deixar sequelas profundíssimas nos nossos Antigos Combatentes, em que os próprios acabaram por entrar em grandes contradições com os sagrados princípios e valores que outrora defendiam, passando a ser os primeiros obstáculos ao desenvolvimento do nosso País, através de golpes e contragolpes de estado, ganância de poder, censura em várias ordens, perseguições políticas, assassinatos de civis e de altas figuras de Estado, corrupção generalizada no aparelho de estado, desvio de fundos públicos, abuso e usurpação de poder, ajustes de contas e de toda a sorte de iniquidades sem fim à vista. 

Passadas estas quatro décadas da nossa autodeterminação, interrogamos: onde é que estão os impolutos Princípios e Valores apregoados na génesis da luta de libertação nacional? Será que os Guineenses podem orgulhar-se da data de 24 de Setembro de 1973? Temos a verdadeira Liberdade, a Paz e a Democracia Participativa? Os Ideais de Amílcar Cabral estão a ser prosseguidos? Como é que somos vistos hoje no mundo? Temos alguma credibilidade na arena internacional? Valeu mesmo a pena, termos tomado a nossa independência, da forma sangrenta e sacrificada como foi? A vida dos Guineenses mudou em alguma coisa com todo este árduo sacrifício feito? Somos um povo feliz? Temos orgulho daquilo que somos? Infelizmente, as respostas destas perguntas não podiam ser mais do que negativas, por razões várias que pormenorizaremos infra

A rápida conclusão a que podemos chegar, com a luta de libertação nacional, é a seguinte: o povo guineense foi astutamente enganado por oportunistas frustrados com a condição de miséria que dispunham, lutando exclusivamente pelos seus insaciáveis caprichos, enganando o povo que estavam a lutar pela causa nacional. Não é preciso ser politólogo para reconhecer esta grande verdade. Basta pensarmos nos males, e gritantes males, que a maioria dos ditos Antigos Combatentes, e os políticos em geral, causaram à Guiné-Bissau, para compreendermos que, de facto, estas pessoas nunca pensaram nos superiores interesses do país. E, perante estes factos notórios, voltamos novamente a perguntar: para que serve então a nossa luta de libertação nacional? Para lutarmos e continuarmos pior do que estamos agora? Certamente que não. Partindo deste entendimento, razão pela qual jamais apoiaríamos a luta colonial, uma vez que morreram injustamente milhares dos nossos patrícios e portugueses, sem no entanto nada ter sido feito para compensar o sangue derramado, através da boa governação, em prol do progresso e bem-estar do nosso País: honrar, acima de tudo, os autênticos mártires da pátria, que tombaram injustamente na defesa da Guiné-Bissau. 

Como contra-argumentos, alguns nos dirão (como já pudemos constatar, em várias ocasiões, nos intensos debates que temos travado sobre este assunto): esse processo que a Guiné-Bissau está a atravessar faz parte do percurso "natural" dos países. Não concordamos minimamente com esse entendimento redutor, visto que aquilo que se passa no nosso país, ultrapassa todos os limites daquilo que podemos considerar "fases normais", que é comum a muitos outros países que tiveram a mesma infelicidade de ter que passar por este percurso difícil de consolidação do seu Estado de Direito Democrático. Tínhamos outras alternativas bem melhores para trilhar, sem passar por este sufoco nacional a que estamos ainda aprisionados. 

Vejamos a título de exemplo: nos ratings da Organização das Nações Unidas (ONU), a Guiné-Bissau consta sempre nos relatórios dessa instituição internacional em última posição e figura ainda nos países mais pobres do mundo, e com um elevado índice de analfabetismo e taxa de mortalidade materno-infantil, somando à fraca esperança média de vida para os seus cidadãos. Se isso são "fases" que alguns consideram "normais" para a Guiné-Bissau, então vivemos num mundo totalmente diferente. Jamais nos conformaremos com estas péssimas evidências para o nosso País. 

Vendo a realidade política actual na Guiné-Bissau, não temos a mínima dúvida que levaremos ainda muito tempo para superar definitivamente as profundas sequelas deixadas pela guerra colonial, e mais tarde pela guerra civil de 7 de Junho de 1998. Há ainda um clima de ódio e de vingança que paira nos horizontes de alguns Guineenses, que vai continuar a perseguir-nos, e enquanto não pararmos para auto-avaliar, sabiamente, a nossa condição como um povo que somos, e pusermos os interesses da nação acima de qualquer outro tipo de interesse, jamais experimentaremos a verdadeira Paz, ou a tão propalada reconciliação nacional e, muito menos, o desenvolvimento que a maioria dos Guineenses tanto almeja. 

Perante tudo o que ficou exposto, em suma, queremos lembrar no fundo do nosso coração, todos os Guineenses que lutaram e morreram injustamente na guerra colonial, bem como na guerra civil de 7 de Junho de 1998, contando com aqueles que, infelizmente, foram vitimados ou traídos em vários domínios pelo sistema corrupto e autoritário que tem vigorado no nosso País ao longo dos tempos, e que possam, de facto, alcançar a Graça, a Misericórdia e a Justiça Divina. 

Esperamos, de facto, que DEUS abençoe poderosamente a Guiné-Bissau, e que possa levantar mulheres e homens valentes, especialmente com senso patriótico para dinamizá-la e fazê-la definitivamente avançar rumo ao desenvolvimento equilibrado, para o bem-estar de todos os seus filhos. Este é o nosso sincero e ardente desejo para com o nosso amado País. Que assim seja.